Copiei a leitura do meu pai, de o ver em viagens com livros debaixo do braço e em casa por todo o lado. Foi um jogo de imitação, que o meu pai herdou do pai dele (e da mãe) e que o pai dele herdou do seu pai, numa mutação que passa de geração em geração. Comecei aos poucos com as Anitas, as mitologias e as fantasias. Li muito, na ânsia de ler todos aqueles livros que o pó escondia pelas casas da minha família. Pelos anos levei-lhe muitos livros. E agora é ele que mos leva, os modernos, os de hoje, a que muitos chamariam woke, e que a ele não intimidam. O meu pai é quase o melhor do mundo, só lhe falta mesmo gostar do Tolkien. Talvez para o ano o consiga levar nessas aventuras.
Da minha mãe trouxe os Beatles e os Stones, trouxe o amor à natureza, as flores e as florestas A minha mãe veio cheia de graça, e eu vim no estado selvagem O favorito dela é o, mais certinho e carismático, Paul e o meu é o, sonhador e rebelde, John Ela gosta de pôr as flores em jarras e eu gosto das minhas nas árvores (e na terra) Aprendi com ela que ruas a descer são para correr de cima a baixo Que a música é para dançar e para cantar sem vergonha E que os lagostins vermelhos não podem vir de férias!
Já falei por aqui da minha avó, mas também dos meus pais roubei muita coisa, hobbies, filmes, viagens, músicas, livros, sorrisos, defeitos no corpo e outras particularidades genéticas.
Em conversa com amigos sobre as diferentes facetas da parentalidade, partilhei o enorme impacto dos meus avós na minha vida, notando como, em certos momentos, foram avós muito diferentes dos pais que tinham sido. Ás vezes dói ver um pai ou mãe que foi exigente, que foi autoritário/a, que foi castrador, dar amor a outros de uma forma que precisámos e que nos foi negada. As pessoas mudam com a idade, a maturidade, a experiência, as vivências, os lutos e o contexto. O peso de corresponder a um ideal enquanto pais atenua-se quando se assume o papel de avós, tios ou amigos, onde a pressão pela perfeição é menor.
A minha relação com os meus pais não é perfeita, longe disso. No entanto, sei perfeitamente que sou um sonho para eles, que amor nunca me faltou e que tive um enorme privilégio nesse aspeto. Os meus pais apoiam muito o amor que sentem em mim, e isso por vezes pesa-me, a expectativa de que a felicidade deles dependa de mim, o desejo de que eu seja de uma determinada forma ou que me comporte de certa maneira. Querem ajudar-me até nas pequenas coisas, não me deixando dar passos sozinha, com medo que eu caia, impedindo-me de aprender a cair e a levantar-me por mim. Às vezes, isso sufoca-me, irrita-me, cansa-me e obriga-me a definir limites. Ainda assim, reconheço o quanto lhes devo e todas as belas características que herdei. Serei sempre a rebelde, mas serei a rebelde deles.





